terça-feira, 20 de setembro de 2011

Quando todo dia é o dia do fico

O que estimula profissionais de criação permanecer por mais de dez anos na mesma agência


  
Manter o estímulo é fundamental a qualquer profissional e mais ainda quando seu trabalho depende das ideias frescas e relevantes que têm. Não à toa, o profissional de criação é definitivamente o mais inquieto nas agências, ainda mais os bem-sucedidos, que recebem diversas sondagens e propostas que lhe garantem mais dinheiro, mais responsabilidade, mais liberdade. “Todo criativo basicamente se considera um gênio e quando não encontra um espaço onde está vai para outro lugar. Faz parte do jogo, até porque as agências têm estilos de criação distintos. Essas movimentações ocorrem para que as pessoas encontrem o lugar em que se encaixam melhor”, explica Fernando Rodrigues, diretor nacional de criação da DPZ, desde 1998 na agência.

“O profissional de criação é um caçador constante de ideias e precisa estar conectado com muitas coisas, buscando o diferente. Por isso, é tão volátil”, concorda Milton “Cebola” Mastrocessario, diretor de criação da WMcCann. Ele começou na agência em 1975 e, não fosse um hiato de quatro anos nos quais atuou em uma agência californiana chamada C.L.A., seria o recordista absoluto de tempo de casa entre todos os criativos atualmente empregados pelas 30 principais agências brasileiras, segundo levantamento feito por Meio & Mensagem (veja quadro mais abaixo). Como retornou à agência em 1991, Cebola perde em permanência ininterrupta apenas para o diretor de arte Robson Oliveira, que está na DPZ desde 1988. Dos 37 profissionais encontrados com mais de dez anos de casa, 22 estão em cargos de chefia — o que contribui para uma maior permanência — e 15 são redatores ou diretores de arte. A DPZ é a recordista, com oito criativos decanos.

Um dos principais estímulos para alguém permanecer por tanto tempo na mesma empresa é o reconhecimento interno. O que nem sempre tem a ver com dinheiro e cargos, embora esses fatores estejam longe de não ser relevantes. Tome-se o exemplo de Marcio Ribas, diretor de criação da Neogama/BBH, que chegou à agência pouco depois de sua fundação, em 1998. Ele atuava na Y&R, quando recebeu o convite para seguir para uma empresa então com apenas oito funcionários. “Não foi uma questão financeira, porque eu tive uma contraproposta muito maior da Y&R. Mas o fato é que passei a ter importância no dia a dia da agência e a vislumbrar crescimento profissional”, relembra. O que o fez permanecer este tempo todo foi a possibilidade de ser o braço direito do dono da agência, Alexandre Gama, sócio e diretor de criação e planejamento. “Às vezes as pessoas fazem leilões e saem muito rápido por causa da grana, sem analisar outros fatores importantes, como se o projeto da agência se encaixa no seu perfil”, diz.

Como mostra o caso de Ribas, a proximidade e, principalmente, sintonia com o dono, o líder da área criativa, o presidente da agência e, sobretudo, com a filosofia de trabalho da empresa são pontos fundamentais. Roberto Vilhena, diretor geral de criação da Artplan, desde 1995 na casa, diz que decidiu ficar na agência por conta das influências que recebeu do dono Roberto Medina. “Sou cria dele. O Medina me fez questionar meu papel como criativo. Ele sempre me dizia que não iria conseguir nada se ficasse na sala do presidente por mais de cinco minutos e soubesse falar somente sobre o anúncio. Então, tornei-me mais focado no negócio e passei a compreender a agência como uma empresa”, relembra.

O bom ambiente com os colegas foi citado por todos os profissionais entrevistados. Às vezes, o estímulo está em ter uma agência que muda constantemente — dando a impressão de que o profissional passou por várias empresas, mesmo sem sair do lugar. O caso de Cebola na WMcCann é um exemplo disso, afinal, a agência passou por um processo de fusão recente, entre McCann e W/. O mesmo vale para a Giovanni+DraftFCB. “A empresa mudou de nome três vezes. Isso cria uma circunstância de novidade e revitaliza o ambiente. Parece que você mudou de agência, embora o DNA emocional da empresa continue o mesmo”, relata Cristina Amorim, diretora de criação e que está na casa desde 1994.

Ouro de tolo
Algo que incomoda bastante os profissionais de criação que permanecem muito tempo em uma mesma agência é o comportamento dos colegas que trocam de emprego como trocam de roupa, sem considerar os pontos positivos de construir carreiras mais longas em um mesmo endereço. “Tenho visto muitas pessoas saindo antes de entregar um trabalho consistente. É preciso de um tempo mínimo em uma agência para conseguir colocar um bom trabalho na rua. Muitos profissionais não querem esperar esse tempo. Não resistem à tentação de receber mais um tanto por mês ou de ter um cargo mais pomposo no cartão de visita. O que pode se transformar no famoso ouro de tolo”, alerta Sophie Schoenburg, redatora que está na AlmapBBDO desde 1995.

“Muitas pessoas quebram a cara só para ter uma linha na imprensa dizendo que estava indo para não sei onde”, concorda João Livi, diretor de criação que está na Talent desde 2001. “Vi muita gente que saiu entusiasmada daqui. São pessoas que têm pressa de acontecer, ambição e até certa carência, que acabam tomando as decisões erradas, porque a expectativa que colocou em cima da nova agência não corresponde”, completa.

Para alguns entrevistados, as novas gerações são mais suscetíveis às mudanças. “Essa nova geração, a molecada de 25 anos, é volátil e tem pouco apego aos lugares. Se entedia facilmente. Algo típico dessa geração Y. Os mais velhos ainda têm lembranças de um País mais incerto, onde era preciso agarrar as oportunidades. Hoje, arrisca-se um pouco mais”, observa Rodrigues, da DPZ.

Para Livi, da Talent, a melhor prevenção para evitar a decepção parece ser a boa e velha arte de perguntar. “Pense bem, questione amigos que trabalham no lugar. Tente conhecer os problemas de lá para que você possa compreender se poderá enfrentá-los”, sugere.

Por outro lado, os mais velhos lidam com o momento em que chegam ao topo possível na agência. O próximo passo seria a sociedade, o que nem sempre é possível — e cada vez mais raro nos lugares mais altos do ranking nacional, preenchidos quase que totalmente por multinacionais. Isso pode causar certa decepção. São inúmeros os casos de profissionais de criação que deixaram um cargo importante para abrir seu próprio negócio — e muitos, infelizmente, acabam engrossando a estatística de mortalidade precoce de empresas brasileiras.

“Quando você chega ao topo, o desafio passa a ter mais a ver com o negócio da agência. Precisamos crescer, conquistar contas. São responsabilidades novas”, relativiza Rodrigues, da DPZ.

Mudança à vista?
Embora alguns profissionais de criação possam se tornar menos suscetível às mudanças com o passar do tempo, especialmente quando encontram o “seu lugar”, os entrevistados não acreditam que o mercado brasileiro possa se tornar menos volátil. “É uma prática: as pessoas­ saem, voltam. O próprio mercado teve muitas fusões e aquisições nos últimos anos e isso acaba criando uma rotatividade de profissionais”, lembra Cristina, da Giovanni+DraftFCB.

O lado “artístico” da profissão torna a rotatividade mais alta do que em outros setores das agências. Cebola, da WMcCann, compara a carreira de um profissional de criação à de um jogador de futebol. “Basta ver o Borges, atleta do Santos, que nunca brilhou nos outros times e agora se tornou um dos artilheiros do Campeonato Brasileiro. O rendimento melhorou por causa do clima do time”, acredita. “Pegar no papel e criar novas ideias é muito estressante e mexe com o lado emocional, trazendo um desgaste rápido nas relações”, completa. A comparação com os boleiros é feita também por Rodrigues, da DPZ. “É um mercado que também lida com talentos e todos querem estar onde têm mais espaço. Se uma dupla quer crescer e há outra acima que esteja indo muito bem, a opção pode ser pela mudança de agência. Tem que rodar mesmo e fazer conexões com o mercado”, sugere.
Fonte:meioemensagem.com.br

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